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A pessoa que você ama te disse que viria. Não precisou horário ou data, mas avisou de sua chegada. Você já esperava antes mesmo do anúncio.  E correu para arrumar a casa, embora tudo antes disso já fosse preparação e espera. Você começa pelo que é mais pesado, afasta móveis, muda muitas coisas de lugar. Embora caprichosa, tenta se apressar pra que tudo esteja perfeito quando precisar abrir a porta, sem deixar nada por fazer.

Feito isso, vai para os detalhes. Garante que os lençóis tenham cheiro de querer ficar, que terá uma roupa a mais pra emprestar enquanto se demora, que a mesa esteja pronta e farta, cheirando a conversas demoradas. Tudo é ansiedade e espera. As horas passam conforme você encontra coisas que podem ser melhoradas, tira do armário uma coisa colorida que há tempos você não lembrava de por na parece, dá até tempo de ajeitar melhor coisa ou outra. E espera.

Quando ainda não sabe que ela já está quase chegando, você até pensa que ela pode nem vir mais, mas ainda assim tira poeira de uns cantinhos escondidos. Quando ela chega você está pronta. Mais que pronta, você está como jamais esteve, e sabe disso. Tudo é perfeito. Quando aquilo acontece, você não sabe o que foi que aconteceu. Não há entusiasmo nem alegria e você nem mesmo parece estar na sua própria casa. Não sabe para onde ir, nem que rumo dar à prosa, parece não saber onde está o sofá e por um momento chega a esquecer pelo quê esperava.

Quando ela vai embora, não resta dúvidas que não ficou alegre com a sua companhia. Seu melhor não era o bastante. Mas o pior disso tudo foi ter deixado em você esse sentimento de incompletude que não te deixa mais. Você também já não basta mais à si. A casa que sempre foi sua você já não reconhece mais. Não gosta mais dos móveis, a comida ficou sem graça. Guarda tudo, ainda que tenha esperança escondida em algum lugar. Quer mudar paredes, trocar cores, não se sente mais a vontade. Você não se serve mais…  Você não se reconhece mais! Está longe de ser o que é, e mesmo tendo consciência disso, ainda quer saber voltar sozinha pra casa que já não habita…

Sinto muita falta de quando eu era, quero morrer quem sou agora.

Deixe o rio desaguar…

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Foto: Tita Virgílio (Em Canindé de São Francisco)

Tenho a impressão de que a maioria das pessoas não tem a menor ideia da realidade quando se fala que no sertão brasileiro não tem água, de verdade! Para quem está assistindo, de longe, do sofá de casa, a transposição do Rio São Francisco como se fosse só a inauguração de mais uma grande obra (sim, porque a verdadeira inauguração está sendo hoje!), eu queria dizer umas coisinhas…

Os meus pais são do interior do estado do RN: Painho é de Parelhas e Mainha de São José da Passagem, distrito do município de Santana do Matos. Não lembro de uma vez, desde que eu sou pequena, que o meu pai não saia de casa para tomar banho quando chove, NENHUMA! Chuva pra ele sempre foi motivo de festa. Sempre… Lá em Parelhas, na casa de Vovó Helena, se guardava a água da chuva. Nos sítios dos meus tios, irmãos da minha mãe, onde eu passava as minhas férias escolares, de manhã cedo as minhas irmãs, primas e eu escovávamos os dentes com um copo de água que tinha que ser suficiente. Lá, a água só chegava (só chega!) por intermédio das chuvas ou do carro pipa. Pra tomar banho, pra lavar a louça, as roupas e pra dar de beber aos animais tem que puxar lata por lata da cisterna. O banho a gente tomava dentro de uma bacia pra depois usar a água na descarga. Não faz nem tanto tempo assim que a minha tia realizou quase que um sonho de ter um banheiro em casa com chuveiro… Aposto que a maioria de vocês não sabe nem como se lava uma louça sem torneira!

Quando se fala que não tem água, é exatamente isso: Não tem água! Não é que tem um sistema ruim de abastecimento que falha 6 dos 7 dias da semana, é sobre não ter um sistema de abastecimento, dia nenhum, nem para beber, nem para tomar banho, nem para lavar a louça ou as roupas, nem para plantar nem dar aos animais, é sobre não ter água se não tem chuva! Alguém consegue se imaginar vivendo assim? Pois é exatamente assim que ainda vive uma quantidade enorme de brasileiros…

Experimente, nem que seja por 24 horas, fechar o registro da sua casa e tentar viver normalmente… Dá pra entender o que significa essa festa popular que hoje celebra a chegada das águas do Rio São Francisco pra uma gente que nunca imaginou ver esse dia chegar? Esse povo tem muito mesmo o que celebrar, a festa e a alegria são legítimas!

O dia dos pais é o dia que a gente nasce…

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Dia dos Pais

Dos detalhes gravados na memória, acho que só não consigo lembrar exatamente em que ano foi, quantos anos tinha, de resto lembro tudo que é importante!

Em algum mês de julho, estávamos em Currais Novos, na casa de tia Nanã. Era época de vaquejada e a casa estava lotada, animada, em clima de festa. Meus pais estavam acompanhados de sobrinhos, amigos de sobrinhos, tios, todos reunidos na garagem da casa (que quase nunca era usada com esta finalidade), bebendo e conversando e rindo…

Não sei como a conversa começou mas girava em torno de conquistas, de bens, ou seja, dinheiro.Também não sei quando se deu a guinada, mas quando comecei a prestar atenção ao assunto que devo ter ouvido em algum momento ao passar pela porta e parei, meu pai falava sobre filhos.

Sabem a honestidade que há nas pessoas que não escolhem as palavras ao falar? Esse era o tom. Meu pai começou a falar do quanto nada disso importava depois que você tinha um filho. Não era um discurso, falava como se pra ele próprio, por experiência, sem intenção nenhuma de convencer ninguém! Falou com uma simplicidade… Essa foi a primeira vez que me lembro de ter sido colocada junto com as minhas irmãs na terceira pessoa ao se falar de afeto e não poderia ter sido de maneira mais despretensiosa, exatamente como o amor é!

Lembro também de alguns risos discretos, silenciosos, de quem até hoje não deve fazer a menor ideia do que ele dizia! Tenho certeza de ter visto olhares que, julgadores, tomavam meu pai por tolo.

Eu só chorei, emocionada…

Hoje, relembrando esse momento que aconteceu há mais de 20 anos, a coisa que me dá mais orgulho e que tenho certeza que também orgulhará o meu pai é que naquele momento eu já entendia exatamente do que ele falava! Sempre entendemos… Lá em casa amor nunca foi nenhum mistério, sempre foi palavra solta, correu e corre pelas bocas, preenche, transborda e nunca teve dia certo pra se celebrar! Não foi coisa que a gente aprendeu, foi coisa que a gente já nasceu sabendo, tão natural quanto respirar…

Pai, a gente já sabia! A gente sempre soube…

P.S.: É bem capaz do meu pai não lembrar disso! Minha mãe deve lembrar já que apontou pra mim, chorando, pra desviar a atenção do choro dela! rs

Necessidade de bom comportamento é o CARALHO!

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Blog Tita

Em uma semana você está feliz da vida porque, como num estalo, as coisas começam a fazer algum sentido e -finalmente- parecem juntar-se, apontando algum caminho no qual você realmente imagina seguir. Como tudo que diz respeito a mim e ao Chicó, não sei explicar ao certo, “só sei que foi assim”…

Já faz algum tempo que “educação” é um tema que paira sobre minha cabeça e tenho dado sorte de conhecer exemplos inspiradores que me fazem pensar a respeito, que me motivam a querer ser parte de um processo longo de uma mudança que eu acredito por, resumidamente, compreenderem e considerarem as singularidades dos sujeitos, a ineficiência do modelo de aprendizagem da maioria esmagadora das escolas/universidades e as mudanças que uma educação de qualidade promove na vida de todos os envolvidos neste processo e no universo do qual fazem parte.

Aí, ontem, 18 de julho deste ano, aos 38 anos de idade, numa aula de pós graduação, me deparo com este slide em que o “professor” informa da necessidade de bom comportamento em sala de aula. A única vontade que eu tenho (tive na hora e continuo tendo agora) é de mandar tomar no cu e mandar voltar pra vida pra ver se acontece de aprender tudo de novo com um olhar mais ampliado do mundo, das práticas educacionais, das pessoas… Impressionante como algumas pessoas continuam prestando um desserviço achando que ensinam algo a alguém! Essa ainda é a cara da educação que eu não quero t(v)(s)er…

Hércules-Quasímodo

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São José

Eu não nego que nasci na terra de onde venho e em muito se parece o pó de que somos feitas. Somos secura e aridez, resistimos aos castigos impostos pelo sol como quem guarda água porque sabe que sempre vai precisar, mais cedo ou mais tarde. Somos sabedoras do destino mas continuamos esperançando, insistindo como se fosse aquela que tivesse poder de mudar a sorte. Aquelas nunca somos nós.

Então, um dia, parcas gotas de chuva que nem sempre molham nosso solo promovem o renascimento e tudo ressurge, verde, vivo, instintivo e frágil como d’antes, só com uma diferença: a gente volta cada vez mais teimosa. Com as pedras do caminho construímos muros, ora pra (se) isolar e ora pra (se) prender. O mais fraco dos animais só fica pela crença da barreira. Acreditar é o alimento pra escapar da morte!

Sou arribaçã, que sabe que o caçador lhe espera e ainda assim volta! Volta sempre. Se demora mas volta. Procura a sua terra pra postura pois é nela -que conhece- que se sente na segurança de casa.

Sou flor que brota desse ambiente insólito só pra se mostrar, colorida e linda, mas cercada de espinhos. Só quem procura entender desse ambiente conhece a terra e descobre que é possível fazer remédio pra curar feridas, vê beleza e vida em meio a tanta areia e galhos secos. Uma hora a poeira assenta. Uma hora o ciclo se renova. Uma hora tornamos a voltar, cada um pro seu canto: vezes o sertão volta pra gente e vezes a gente que volta…

Sobre escolher acreditar nas pessoas e no bem

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Blog

O dia 17 de abril deste ano foi um cheio de acontecimentos marcantes: além de descobrirmos que Sérgio Reis é deputado federal e o quanto deus continua sendo usado para manipular, nos chocamos com a mediocridade e o cinismo dos nossos representantes e com o descrédito moral da política que parece cada dia mais distante das necessidades do povo.

Queria sumir dia 18, literalmente. Não queria falar com ninguém. Não queria ouvir nenhuma voz. Queria mudar de cidade, de país, de vida, mas o único jeito que isso é possível é imaginando. Coloquei no google “como viajar sem dinheiro” esperando descobrir alguma coisa absolutamente fantástica, alguma fórmula mágica que me transportasse imediatamente pra qualquer lugar longe do meu. Coisa que não aconteceu, claro. Mas eu achei o CouchSurfing, um site onde pessoas do mundo todo buscam hospedagens em casas que são oferecidas, de graça, na cara, na coragem e com muito boa vontade.

Dei uma olhada e vi algumas pessoas querendo se hospedar em Manaus. Um queria 2 ou 3 dias até arrumar um lugar pra ficar (fria, pensei! Vai ficar mais de um mês), outro queria ficar uma semana entre uma prova e outra de um concurso público que vinha fazer, outro queria pessoas que o levassem pra farra e um casal poloneses (de amigos) que estavam saindo de Belém, chegariam em 5 dias e ainda não tinham onde ficar. Loucos, pensei! Primeiro por vir de barco pra cá em 5 dias de uma cansativa viagem. Depois por virem sem ter onde ficar (ficariam os 5 dias da viagem de barco sem internet e, portanto, sem chance de achar alguma guarida). Olhei pras caras deles e gostei, eram simpáticos. Avaliações de pessoas que os acomodaram em outros lugares os tomavam por “limpos e organizados”. Decidi dar uma chance. Só pra não restar dúvidas, a chance foi dada a mim mesma.

Diante de um Brasil tão dividido, onde a falta de respeito impera e a minha descrença na humanidade crescia a passos largos, Tomasz Skoczec e Justyna Pogon me fizeram voltar ao normal… Inteligentes, simpáticos, educados, alegres e disponíveis para compartilhar ideias, experiências, informações e tempo. Vindos da Cracóvia (que a minha ignorância achava que era a cidade imaginária de Viktor Navorski, personagem de Tom Hanks em “O Terminal”) e falando uma língua absolutamente impossível de entender, eles se mostraram muito mais conectados comigo do que pessoas da minha família que convivem comigo há 38 anos! Isso em 4 dias! Antes de irem embora fizeram questão de fazer uma jantar típico e deixaram um bilhete carinhoso na minha geladeira. Tudo isso é de uma delicadeza e uma demonstração tão explícita de carinho que não me deixam alternativas que não a de acreditar que as pessoas de bem podem, sim, mudar o rumo das coisas. Aliás, são as únicas que podem…

Eles foram embora pra Rio Branco, Porto Velho, México e mundo afora. Mas não sem antes me renovarem. Renovaram a minha esperança nas pessoas, no bem, na boa vontade. Aquecerem o meu coração e a minha vida com um abraço sincero, com um prato de comida feito com todo carinho para alimentar um corpo cansado depois de um dia de trabalho, com um beijo honesto, com sorrisos fáceis e com peitos abertos. Trouxeram de volta a crença de que a generosidade é capaz de afagar a alma e amenizar angústias.

Continuo por aqui. Sem dinheiro e sem viagem. Mas só colocando coisas na minha “mala”…

Obrigada, Justyna e Tomasz.

P.S.: Descobri que, em polonês, Tita é “istny wulkan energii” de acordo com o dicionário informal de T&J.

Contaminação

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Como é difícil explicar o que se sente…

Sinto que estou em uma sintonia especial com 30 pessoas que até segunda-feira jamais me haviam sido apresentadas e, até agora, não saberia dizer em 3 segundos o nome de algumas delas! Não é coisa comum e não lembro de já ter vivido algo assim.

Só posso garantir que a sensação é maravilhosa, de constatar que não foi só você quem decidiu entregar o coração (e veias!) e peito abertos, para que disponham deles…

O vídeo (https://www.youtube.com/watch?v=DkFJE8ZdeG8), apresentado por uma dessas personas, me emocionou sobremaneira e muito diz também sobre a experiência que estamos vivendo!

Não há como continuar sendo a mesma pessoa…

Sempre prefiro ser!

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Clowns

Desde que vim morar em Manaus perdi as contas da quantidade de vezes que fiz o trajeto Manaus / Natal / Manaus. O motivo sempre foi o mesmo: abrandar saudades.

O ano de 2015 terminou de uma maneira espetacular, e mal sabia eu que tratava-se do início de um ciclo que começa agora. Meu deus, como começou bem o novo ano!

Ainda estava dentro de um avião no dia primeiro de janeiro (justamente fazendo mais uma vez o trajeto), de pé no corredor esperando a porta abrir para desembarcar para mais uma conexão, quando liguei o celular e fui surpreendida por uma amiga, Aninha, com uma notícia que -embora esperada!- me pegou de surpresa naquele momento. Primeiro só pulei, ri e quis chorar, depois dei um grito só pra extravasar e fazer a senhora sentada ao meu lado sorrir também. Desde então, espero, ansiosa, o dia! E este dia está chegando…

Também vou abrandar saudades, claro, mas que sensação magnífica voltar pra casa pra fazer coisa nova, conhecer pessoas que eu já sei que vou gostar, aprender coisas que ainda não sei, dispor de novidades… Quando começo coisas diferentes sempre lembro da “eterna novidade do mundo” e fico feliz comigo mesmo por estar de peito tão aberto…

Estou assim neste momento, de peito e coração abertos, desejosa por deixar entrar…

Just a little bit…

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RESPEITO

Como a maior parte do mundo, tenho acompanhado os recentes ataques à revista francesa. Além das mortes, do rastro da violência e as profundas marcas deixadas em um povo que dia a dia vê podada a sua liberdade (de ir e vir, de manifestar-se, etc, etc, etc), uma coisa me chama mais a atenção e me comove verdadeiramente.

Sou jornalista por formação, mas mesmo que não o fosse o simples fato de ser uma cidadã consciente e politizada me fariam defender com unhas e dentes o nosso direito a livre expressão. Mas eu não sei que porra de mundo doido é esse em que vivemos nem que porra de seres humanos tornamo-nos que confundimos tudo e, com uma frequência absurda, metemos os pés pelas mãos.

Não defendo quem mata e não glorifico quem morre, mas na minha modesta opinião a maior lição que poderíamos aprender com esse trágico episódio resolveria grandes problemas em todo mundo: o respeito ao próximo.

Hoje em dia parece que não basta ser evangélico, há que se convencer o resto do mundo a salvar-se. Não basta ser hétero, quero dos outros espelhos fieis da minha imagem. Não é suficiente votar no Aécio por convicção, tenho que provar por A + B que Dilma é corrupta, sabe de tudo e não deve nunca mais ser eleita. (E quem quiser que escolha os seus exemplos…)

Eu mesma, eventualmente, ajo com intolerância, admito! Mas fazê-lo sem o perceber ou, pior, fazê-lo com convicção é o caminho que nos levará a receber um tiro dentro do nosso trabalho, a ver um carro jogado propositadamente sobre a sua cabeça ou ver um avião entrando pela janela do seu quarto.

Precisamos urgentemente exercitar o respeito aos diferentes e aos iguais também. E isso não se aprende acendendo velas, fazendo das esquinas memoriais ou apagando as luzes da Torre Eiffel.

Honestamente, ando até duvidando da nossa capacidade de aprender…

Poética

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Parece um ritual: toda vez que saio de Natal desejo fazer acordos com o tempo. Ele, claro, ignora a minha existência de maneira quase displicente. Sou poeira do mundo. Faço de conta que (des)faço planos e que posso contar com sua silenciosa cumplicidade. Magnânimo, ele me permite a ilusão de que comando meu destino. E eu me engano por querer e por gosto, por ser bom se imaginar grande! Me reconheço sempre ao desejar um tempo que nunca será o meu, me perguntando sempre: quando? De pura incompletude são as minhas partes…

“Tenho as opiniões mais desencontradas, as crenças mais diversas. É que nunca penso, nem falo, nem ajo… Pensa, fala, age por mim sempre um sonho qualquer meu, em que me encarno de momento. Vou a falar falo eu-outro. De meu, só sinto uma incapacidade enorme, um vácuo imenso, uma incompetência ante tudo quanto é a vida. Nunca aprendi a existir.” (Fernando Pessoa)